Com as manifestações que ganharam as ruas do país desde
junho e os episódios de violência na atuação da Polícia Militar registrados em
algumas ocasiões, a desmilitarização das polícias estaduais voltou a ganhar
espaço no debate público. Em maio de 2012, a Dinamarca chegou a recomendar, na
reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU),
que o Brasil extinguisse a Polícia Militar. A ideia, no entanto, foi negada
nacionalmente por ferir a Constituição Federal de 1988 e a dúvida permaneceu
sobre o que de fato significaria uma proposta pela desmilitarização.
A divisão entre polícia Civil e Militar sempre existiu no
Brasil. A atribuição de cada grupo está explícita no artigo 144 da Constituição
Federal de 1988. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, cabem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares. Já às polícias militares cabem o policiamento
ostensivo e a preservação da ordem pública. “Antes da ditadura militar,
existiam polícias Militar e Civil, mas a Civil também desempenhava papel ostensivo.
Foi com a ditadura que as atribuições da Polícia Civil foram se esvaziando e a
Militar tomou para si toda a parte ostensiva”, destaca o professor de direito
penal Túlio Vianna, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A proposta de desmilitarização consiste na mudança da
Constituição, por meio de Emenda Constitucional, de forma que polícias Militar
e Civil constituam um único grupo policial, e que todo ele tenha uma formação
civil. “Essa divisão atual é péssima para o país do ponto de vista operacional,
pois gasta-se em dobro, e é ruim para o policial, que precisa optar por uma das
carreiras”, explica Vianna.
Uma das críticas feitas à militarização da polícia é o
treinamento a que se submetem os policiais militares. “As forças armadas são
treinadas para combater o inimigo externo, para matar inimigos. Treinar a
polícia assim é inadequado, pois o policial deve respeitar direitos, bem como
deve ser julgado como um cidadão comum e não por uma Justiça Militar”,
argumenta o professor da UFMG. “Grande parte dos policiais militares que são
praças também defendem essa ideia da desmilitarização já que eles são impedidos
de acessar garantias trabalhistas, além de terem direitos humanos
desrespeitados”, afirma Vianna.
Para o coronel reformado da Polícia Militar do Distrito
Federal (PMDF) e ex-secretário de segurança do DF, Jair Tedeschi, entre os
militares, a posição é outra: a ideia de desmilitarização policial é uma
“falácia”, defende. “O que querem é quebrar a disciplina e a hierarquia que
existe em qualquer organização. Não é porque a polícia é militar que age
puramente como militar. A função dela é civil. As suas bases de disciplina e
hierarquia que são militares". O coronel avalia ainda que "o policial
militar de hoje sabe distinguir quem tem direitos e deveres. Na rua, é obrigado
a tomar decisões”, observa.
A formação atual do policial, segundo o coronel Tedeschi,
abrange o conceito de humanização. “Hoje a polícia é completamente diferente,
isso foi na década de 1960. As academias ensinam segurança pública. Desde 1988
a polícia vem mudando a sua maneira de agir. Ela está na rua, não nos quarteis.
Ela interage com a sociedade, não cumpre a lei porque tem que simplesmente
cumprí-la, mas age da forma mais democrática possível”, avalia o coronel
Tedeschi. Para o coronel, "desvios de comportamento ocorrem em
condições isoladas em vários grupos. Na situação atual não vemos isso só na
Polícia Militar, mas também na Polícia Civil e em outros segmentos não
militares", aponta.
Atualmente, dois projetos de Emenda à Constituição (PEC)
circulam no Congresso Nacional em defesa da desmilitarização da polícia.
A PEC 102, de 2011, de autoria do senador
Blairo Maggi (PR/MT), autoriza os estados a desmilitarizarem a PM e unificarem
suas polícias.” Ela não faz especificamente a unificação e a desmilitarização,
mas autoriza que cada estado federado possa fazê-lo caso julgue necessário”,
explica Vianna. A PEC está em tramitação no Senado.
Já a PEC 432, de 2009, em tramitação na Câmara dos
Deputados, visa a unificação das polícias Civil e Militar dos Estados e do
Distrito Federal, além da desmilitarização do Corpo de Bombeiros, bem como dá
outras funções para as guardas municipais. A proposta é de autoria do deputado
federal Celso Russomanno (PP-SP).
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