O debate em torno da figura de Carlos Lamarca é representativo das posições políticas assumidas frente ao acirramento dos conflitos sociais pelos quais passaram o Brasil entre o final da década de 1950 até o início do século XXI. Para algumas correntes políticas, Lamarca foi um herói que lutou pela restauração da democracia no Brasil; para outros, um traidor do exército brasileiro e vilão responsável por algumas mortes durante a luta contra o regime.
Para além de criar heróis ou vilões, cumpre à historiografia apresentar os fatos da vida dos personagens históricos e inseri-los nos contextos sociais nos quais atuaram. No caso de Carlos Lamarca, o contexto de sua atuação foi a ditadura civil-militar ocorrida no Brasil entre 1964 e 1985, em que uma variedade de grupos políticos resolveram adotar a estratégia da luta armada para enfrentar a ditadura.
Filho de pai sapateiro e mãe dona de casa, Lamarca nasceu no Rio de Janeiro em 1937, adentrando na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre em 1955. Participou das Forças de Paz da ONU, servindo no Batalhão Suez, na região de Gaza, Palestina, em 1962. Essa experiência marcou sua vida, pois segundo seus biógrafos, foi no Oriente Médio que as questões decorrentes da injustiça social sensibilizaram o jovem oficial. Quando eclodiu o golpe em 1964, Lamarca servia à 6ª Companhia de Polícia do Exército, em Porto Alegre. Em 1965, pediu transferência para Osasco, após facilitar a fuga de um brizolista que estava sob sua responsabilidade. Em 1967, foi promovido a capitão do exército, sendo que em 1969 organizou a ação para sua deserção do exército, que constaria do assalto de armamentos do quartel de Quitaúna. Descoberto antes da ação, Lamarca conseguiu obter apenas alguns fuzis e submetralhadoras, que utilizou na formação da Vanguarda Popular Revolucionária (VAR).
Foi na VAR que Lamarca e seus companheiros passaram a realizar ações contra o regime civil-militar, que constou no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, em 1970, além de vários assaltos a bancos para financiar as ações do grupo armado e de ações características de guerrilha rural no Vale do Ribeira, no litoral sul do estado de São Paulo. Os assaltos a bancos e as ações da guerrilha resultaram em mortes de policiais e membros do exército que os perseguiam.
Nesse sentido, o fato que ganhou maior notoriedade foi a execução do tenente da polícia militar de São Paulo, Alberto Mendes Júnior, de 22 anos, que compunha uma força de segurança que os cercou nas matas paulistas. O tenente se rendeu em troca de companheiros feridos, que estavam aprisionados pelos guerrilheiros. Entretanto, dois membros do VAR sumiram durante os deslocamentos pela mata, surgindo a suspeita que haviam sido mortos pelas forças policiais. Frente a essa situação, Lamarca e os demais guerrilheiros decidiram formar um “tribunal revolucionário”, que julgou o jovem tenente responsável pelas mortes, decretando seu fuzilamento. Apesar da sentença, os guerrilheiros decidiram executá-lo com golpes na cabeça, com a coronha de um fuzil, para evitar o barulho dos tiros. A brutalidade da morte, posteriormente descoberta, serviu para intensificar a campanha contra Lamarca e os guerrilheiros em geral.
Lamarca e seus companheiros conseguiram fugir, participando posteriormente de dois outros grupos guerrilheiros, o VAR-Palmares e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Foi em ações desse último grupo, no interior da Bahia, que Lamarca foi denunciado e cercado por forças do exército da Operação Pajussara, sendo morto a tiros, em 1971.
A figura de Lamarca gerou controvérsias justamente por ter sido um dos principais combatentes de guerrilhas de esquerda a lutar contra o regime civil-militar. Terrorista ou herói, essa dicotomia apenas será superada com a abertura irrestrita dos documentos oficiais das Forças Armadas e do Estado Brasileiro, produzidos durante a ditadura civil-militar, criando as bases para uma análise histórica menos vinculada a interesses políticos pessoais.
- Fonte: http://tinyurl.com/bpguxef
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