Bakunin nasceu em uma família de nobres russos, foi educado em casa e seguiu aos 14 anos para a carreira no exército, abandonando-a em 1835. Vai a Moscou, onde participa do círculo de Stankevitch, apaixonando-se pelo romantismo e pelo idealismo alemão, especialmente por Fichte e Hegel. Em 1840, vai a Berlim integrando-se à esquerda hegeliana e publicando artigos. Converte-se ao comunismo e toma contato com a causa dos eslavos, ingressando na luta contra o imperialismo. Influencia-se na relação com P.-J. Proudhon e tem contato com Marx. Participa, em 1848, dos levantes na França e da Insurreição de Praga, e, em 1849, prepara a insurreição da Boêmia e destaca-se como comandante militar do levante de Dresden. Preso, permanece na prisão e no exílio com trabalhos forçados de 1849 a 1861, quando foge, chegando a Londres. Logo se integra à vida política, escrevendo e atuando; vai, em 1865, para a Itália, onde desenvolve intenso trabalho de propaganda e organização e funda a Fraternidade Internacional, uma organização política secreta. Participa dos Congressos da Liga da Paz e da Liberdade, em 1867 e 1868 e, quando a maioria dos membros da Liga nega-se a aceitar o programa socialista, federalista e antiteísta que propunha, rompe, fundando a Aliança da Democracia Socialista. É somente em meados dos anos 1860 que Bakunin adere completamente ao anarquismo, que se consolida com sua entrada na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), ou “Primeira Internacional”. Produz, nesse momento, diversos escritos e envolve-se nas discussões de seu tempo. Exerce ampla influência na AIT, especialmente nos países latinos. Ameaçando a hegemonia de Marx, é expulso em 1872, quando funda, com o setor majoritário da AIT, a Internacional “Antiautoritária”. Participa da insurreição da Bolonha em 1874 e, ao final da vida, retira-se da política, falecendo na Suíça em 1876.
Os aspectos destacados neste texto enfocarão com mais profundidade elementos da última fase de Bakunin, já nos anos 1860, em cujo período converteu-se ao anarquismo.
OS PONTOS DE PARTIDA
Bakunin possui, como base de sua teoria, uma série de concepções filosóficas que foram sendo elaboradas ao longo de sua vida, desde o período de juventude, quando adere ao hegelianismo de esquerda. Dentre essas concepções, pode-se destacar: a liberdade, a dialética, o materialismo, a ciência e a ideologia.
Toda a sua teoria está baseada no conceito de liberdade, presente ao longo de toda a sua obra. Polemizando com os filósofos do liberalismo, Bakunin nega que o indivíduo venha à sociedade livre, no momento de seu nascimento, tornando-se oprimido pela coletividade ao longo do tempo – idéias que serão desenvolvidas por filósofos como Rousseau e Mill. Para Bakunin, a liberdade não é o ponto de partida do indivíduo, mas o ponto de chegada. Desde sua mais antiga existência, a luta dos homens teria sido, primeiramente, uma luta contra a natureza, em que eles buscaram superar sua animalidade, negando-a e chegando à humanidade, que se caracteriza pela capacidade de reflexão, abstração, e pela razão, ou seja, pela capacidade de combinar idéias em uma forma de pensamento que possui necessariamente relação com a ciência – para forjar-se como humanidade, uma das bases dos homens foi a idéia de Deus. O curso desta evolução, para Bakunin, seria que humanidade passasse à liberdade, pela revolta contra as condições de escravidão do homem – que se reproduziam na economia, na política e na religião. Bakunin coloca que o homem “partiu da escravidão animal, e atravessando a escravidão divina, termo transitório entre sua animalidade e sua humanidade, caminha hoje rumo à conquista e à realização da liberdade humana.”[1]
A sociedade, a coletividade, neste sentido, não seria um empecilho para a liberdade, mas uma condição de sua própria realização. A liberdade individual, portanto, só pode existir dentro da liberdade coletiva já que “ser livre, para o homem, significa ser reconhecido, considerado e tratado como tal por um outro homem, por todos os homens que o circundam”. Só é possível considerar-se livre na presença e em relação a outros homens; além disso, essa perspectiva coletiva da liberdade impede que uma pessoa seja livre sozinha: “só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres”. Finalmente, a liberdade, para Bakunin, necessariamente implicaria igualdade e isso coloca um vínculo explícito entre liberdade e socialismo; para ele não existe liberdade plena sob o capitalismo, o Estado ou qualquer outro tipo de dominação, e a igualdade, fundamentalmente econômica, é condição prévia para o desenvolvimento da liberdade. Ele enfatiza que embora seja “partidário da liberdade, essa condição primeira da humanidade, penso que a igualdade deve estabelece-se no mundo pela organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva, das associações produtoras livremente organizadas e federalizadas nas comunas, e pela federação igualmente espontânea das comunas, mas não pela ação suprema e tutelar do Estado”.
Outra concepção filosófica que norteia toda a teoria de Bakunin é sua concepção de dialética, forjada ainda nos anos 1840, quando ele era um hegeliano de esquerda, revolucionário, mas ainda não anarquista. Para Bakunin a história – o desenvolvimento de maneira geral – seria determinada a partir de um movimento dialético para o qual a negação teria um papel fundamental: ela seria uma forma de recusar a realidade, permitindo que surgissem novas idéias, capazes de conceber a transformação dessa realidade rumo à liberdade. Essa dialética, ou seja, a contradição, é, assim, a fonte do movimento e do desenvolvimento histórico. Fundamentando-se em Hegel, o artigo A Reação na Alemanha de 1842 apresenta duas contribuições fundamentais para sua concepção de dialética; a primeira, de uma interpretação de Hegel que constituiria as bases de uma transformação revolucionária; a segunda, de uma dialética que hegeliana que se diferencia da dialética triádica clássica – representada pelos elementos tese, antítese e síntese. Bakunin propunha uma dialética baseada em somente dois elementos, um positivo e outro negativo – naquele caso analisado, o partido reacionário e o partido democrático, respectivamente – cujo resultado seria a criação de um novo positivo, sem relação com o antigo. Portanto, para Bakunin, não haveria síntese ou conciliação possível entre o positivo e o negativo. Seria pela negação que se forjaria a afirmação, ou seja, visando a destruição, se construiria o novo.
Fundamental para seu sistema foi também o materialismo como método de análise da realidade. Partindo daquilo que entendia como material, ou seja, a realidade de maneira geral, incluindo os seres vivos na sua totalidade, Bakunin afirmava que um método de análise coerente precisaria ser materialista para dar conta da realidade, e isso exigia considerar o ser humano como um ser completo, dotado de pensamento e ação, cuja realidade dos fatos seria determinada por essa relação dialética entre o pensar e o fazer, entre a teoria e a prática. Esse materialismo, que se opõe ao idealismo – considerando-o um sistema que parte de Deus, do abstrato, do metafísico – não significa, ainda assim, determinismo econômico.
Bakunin considera ainda que há uma diferença fundamental entre ciência e ideologia. Como colocado, a ciência é um elemento fundamental para o desenvolvimento da humanidade; no entanto, quando se fala das ciências humanas, elas nunca podem ser absolutas, visto que não há simplesmente o fato em si, mas a observação deste fato por um ser humano, dotado de uma determinada carga de valores. Como Bakunin colocou, a vida é sempre mais complexa do que a nossa capacidade de apreender a realidade. É possível buscar uma elaboração teórica, com o maior rigor científico, da história, e também dos fatos presentes, mas deve-se levar em conta que essa teoria não pode afirmar-se como verdade ou ciência absoluta. E, ainda que exista a possibilidade de, por meio da ciência, compreender a história e a realidade, é impossível tentar extrair da história regras gerais ou uma ciência de seu funcionamento para a explicação da realidade, e, fundamentalmente, para prever o futuro. Dessa maneira, o socialismo não pode ser ciência, mas sim uma doutrina, ou uma ideologia, no sentido de conjunto de idéias, valores, aspirações que possuem uma interação prática com a realidade. Ele não pode ser abarcado por um conjunto científico de regras e possui elementos que não podem ser comprovados empiricamente.
A LEITURA DA REALIDADE
Considerando os elementos colocados em seus pontos de partida, vejamos como Bakunin elaborou uma leitura da realidade de seu tempo, cujos esforços empenharam-se, dentre outras coisas, no sentido de compreender o capitalismo. Para ele, o fundamento do sistema capitalista está na propriedade privada e no capital, que significam “o poder e o direito de viver à custa da exploração do trabalho alheio, o direito de explorar o trabalho daqueles que não possuem propriedade ou capital e que, portanto, são forçados a vender sua força produtiva aos afortunados detentores de ambos”.[4] O capitalismo sustenta a desigualdade e, conseqüentemente, gera a pobreza dos explorados que, sendo obrigados a viver do trabalho assalariado, ainda que juridicamente sejam iguais aos capitalistas, economicamente estão subjugados e, na concorrência do mercado, não têm alternativa senão deixarem-se explorar para não morrerem de fome. A dinâmica do sistema capitalista cria e sustenta uma divisão do trabalho (manual e intelectual) e também das classes sociais, separando a sociedade em exploradores e explorados, e colocando-os em contradição e em luta.
Nas sociedades em que predomina a dominação – e esse é o caso do capitalismo – Bakunin sustenta haver classes sociais em permanente luta; assim, acredita que há, na sociedade capitalista, uma luta de classes. Esse antagonismo entre as classes não poderia ser negado com base na “idéia de que [este] é um antagonismo mais fictício do que real, ou de que é impossível estabelecer uma linha de demarcação entre as classes possuidoras e as classes despossuídas”[5].
Todo um sistema político e ideológico dá sustentação a este sistema de exploração econômica, que é “protegido por todos os Estados [...], religiões e todas as leis jurídicas, tanto criminais quanto civis, e todos os governos políticos, monarquias e repúblicas – com seus imensos aparatos judiciais e policiais e seus exércitos permanentes”[6]. Os sistemas políticos e ideológicos não têm outra missão senão a de consagrar e proteger as práticas da exploração capitalista, constituindo-se, portanto, parte estrutural do capitalismo.
O Estado, para Bakunin, é o instrumento político do capitalismo, da burguesia, que estabelece sobre o povo uma dominação, que, além de sustentar o capitalismo, aliena os indivíduos da política. Ele enfatiza: “quem diz Estado, diz necessariamente dominação e, em conseqüência, escravidão; um Estado sem escravidão, declarada ou disfarçada, é inconcebível; eis por que somos inimigos do Estado.”[7] E isso se aplica a qualquer Estado, seja ele mais ou menos democrático, já que “nenhum Estado, por mais democráticas que sejam as suas formas, mesmo a república política mais vermelha, popular apenas no sentido desta mentira conhecida sob o nome de representação do povo, está em condições de dar a este o que ele precisa, isto é, a livre organização de seus próprios interesses, de baixo para cima, sem nenhuma ingerência, tutela ou coerção de cima”.[8] Outras formas de dominação estariam presentes na sociedade: o imperialismo, a religião, o patriarcado, o racismo. A superação do capitalismo e do Estado não deveria deixar de fora a superação da dominação como um todo, algumas com mais, e outras com menos relação com o sistema político e econômico.
Nesse sentido, o conjunto de classes despossuídas para Bakunin abarcaria todos aqueles que estavam sofrendo os efeitos do capitalismo e mesmo dos sistemas pré-capitalistas que ainda vigoravam em sua época. Dessa forma, seu conceito de classe é amplo e está mais fundamentado na categoria dominação, do que na exploração econômica. Assim, ele acredita que as “diferentes existências políticas e sociais deixam-se hoje reduzir a duas categorias principais, diametralmente opostas uma à outra, e inimigas naturais uma da outra”; de um lado, o que se poderia chamar de classes possuidoras, burguesia, capitalistas ou classes políticas, “compostas por todos os privilegiados, tanto da terra quanto do capital, ou mesmo somente da educação burguesa”, e de outro, o que se poderia chamar de classes despossuídas, proletariado, povo, ou classes operárias, “deserdadas tanto do capital quanto da terra, e privadas de qualquer educação ou de qualquer instrução”.[9] Portanto, no conjunto dos dominadores estão os aristocratas, burgueses, grandes proprietários de terra e fazendeiros e no conjunto de dominados, os trabalhadores da cidade e do campo, o campesinato e toda a massa de excluídos (chamada de lumpemproletariado). Além disso, vemos que a definição de classe de Bakunin não está totalmente vinculada aos meios de produção: a instrução, por exemplo, assim como a participação na gestão do Estado, ajudariam a compor este critério de classe que explicaria a dominação em um sentido amplo, englobando os campos econômico, político e social.
A partir desta concepção, Bakunin acredita que é esse conjunto de despossuídos que será responsável pela criação da nova sociedade. Na luta contra o capitalismo, o Estado e as outras formas de dominação, os despossuídos devem destruir a velha sociedade e construir a nova. Nessa concepção, que traz a tona novamente sua dialética, ele acredita que o elemento negativo da sociedade presente, ou seja, aqueles que negam essa sociedade – o povo em luta –, deve ter por objetivo superar o positivo, ou seja, a sociedade presente, criando um novo positivo – a sociedade futura. Bakunin não acreditava que essa sociedade seria uma síntese; ela precisaria romper com todos os aspectos da sociedade presente, criando, de fato, uma nova. Além disso, ele pensava que aqueles que defendiam essa nova sociedade como sendo uma síntese corriam o risco de cair no reformismo ao tentar conciliar o inconciliável.
Nesse processo revolucionário de criação do socialismo, o Estado deveria ser imediatamente destruído, nunca servindo como instituição que daria suporte a qualquer período intermediário. Bakunin acredita que é todo o conjunto de despossuídos que tem essa tarefa histórica de transformação social, e não somente um setor dele. Assim, nega qualquer prioridade no proletariado industrial e urbano e acredita que outros setores dominados deveriam, juntos com esse proletariado, empreender a revolução social.
Negando qualquer forma de “etapismo”, Bakunin não acredita em um desenvolvimento histórico linear ou previsível. Para ele, a vontade – ou seja, “o poder de tomar partido em favor de um ou vários motores que nele trabalham num sentido determinado, contra outros motores igualmente interiores e determinados”[10] – seria um elemento fundamental, que levaria homens e mulheres, a partir dos seus instintos de busca pela liberdade, para uma luta contra a realidade e para sua superação. Não acreditava, portanto, como outros socialistas, que há obrigatoriamente uma necessidade de desenvolvimento das forças produtivas para que se chegue ao socialismo – Bakunin não acreditava que nas sociedades menos desenvolvidas se deveria promover o capitalismo, para depois se lutar pelo socialismo. Acreditava que tanto nas sociedades mais desenvolvidas, quanto nas menos, os despossuídos deveriam imediatamente empreender uma luta pelo socialismo.
Além disso, sua análise materialista da realidade o fazia crer que no passado e no presente, com uma análise rigorosa da história e da conjuntura, não podia ser verificada uma determinação econômica sobre as esferas política e cultural/ideológica. Seu materialismo reconhece a influência mútua das esferas econômica, política e cultural/ideológica; a econômica, por mais que fosse realmente determinante em muitos casos – e Bakunin assume que, dentre as esferas, a econômica é a que possui maior influência sobre as outras –, em diversos outros casos, seria determinada pelas esferas política e cultural/ideológica, em um movimento dialético que não estabeleceria causas e conseqüências fixas, determinadas a priori. Seu método de análise, portanto, não pode se resumir ao determinismo econômico.
Para seu projeto de transformação seria fundamental o desenvolvimento de uma teoria, que se construiria a partir de uma relação dialética com a prática do povo, e também de uma estratégia de luta, com o objetivo de superar a sociedade capitalista, estatista, religiosa, etc. e chegar a uma nova – socialista, federalista, antiteísta.
A ESTRATÉGIA
Para empreender uma luta rumo ao socialismo, os despossuídos deveriam conceber uma forma de tornar sua força elementar, espontânea, muito maior do que aquela das classes possuidoras, uma força social real. Portanto, “a primeira condição da vitória do povo é a união ou a organização das forças populares”. Seriam os movimentos de massa, para Bakunin, que conseguiriam transformar-se nesta força social real necessária para a revolução social, já que “nenhuma revolução pode triunfar senão exclusivamente pela força do povo”.
Bakunin desenvolveu a maioria de suas concepções organizativas e estratégicas deste movimento quando entrou na AIT. Segundo acreditava, um movimento popular precisava ser organizado internacionalmente, reunindo o maior número possível de elementos das classes despossuídas, apoiando-se, fundamentalmente, na “intensidade sempre crescente das necessidades, dos sofrimentos e das reivindicações econômicas das massas”. Nisso, haviam estado corretos os fundadores da AIT, colocando, “de início, como único fundamento, apenas a luta exclusivamente econômica do trabalho contra o capital”. No entanto, quando se trata de unir o povo em um movimento que mobilize em torno das necessidades econômicas, as questões políticas (ideológicas) e religiosas mais dividem do que unem. Assim, Bakunin defendia um modelo de organização de massas que não excluísse trabalhadores por suas posições político-ideológicas ou por suas crenças religiosas, ainda que se permitisse a discussão aberta dessas questões.
Essa organização envolveria as associações de trabalhadores, unindo-os em torno de questões como a produção, o consumo, o crédito; iniciativas que habituariam os trabalhadores a cuidar e gerir seus próprios assuntos, algo fundamental na sociedade futura. Mas essa não era a base do movimento: este deveria se dar na mobilização destas associações de trabalhadores em torno das lutas de curto prazo, que dariam consciência de classe aos trabalhadores, permitindo que eles se radicalizassem no contexto dessas lutas, buscando, cada vez mais, os objetivos de longo prazo, ou seja, a revolução social e o socialismo. Bakunin, portanto, não defendia um “tudo ou nada” em que ou se realizava a revolução ou o movimento popular não tinha sentido; para ele, era na construção cotidiana e no contexto das lutas de curto prazo que os caminhos de longo prazo deveriam ser trilhados. Com a organização e as lutas das associações, os trabalhadores exercitariam sua capacidade de autogestão, fundamental para que eles próprios fossem responsáveis por sua própria emancipação. Além disso, no contexto das lutas reivindicativas, os trabalhadores conheceriam sua própria força e a força coletiva dos trabalhadores, compreenderiam a luta de classes, tornando-se cada vez mais conscientes, e buscariam, cada vez mais, a transformação social revolucionária.
Bakunin acreditava que “a partir do momento que um operário [...] começa a lutar seriamente pela diminuição de suas horas de trabalho e pelo aumento de seu salário, a partir do momento que começa a interessar-se vivamente por essa luta toda material” ele certamente abandona suas crenças religiosas e, na luta econômica, ele conhecerá a força dos trabalhadores e seus verdadeiros inimigos de classe. Termina por “compreender o antagonismo irreconciliável” da luta de classes, aproximando-se do socialismo revolucionário.
Para fortalecer e impulsionar esse movimento de massas, Bakunin defendia um modelo de organização política (partido). Esse grupo de revolucionários seria responsável por atuar em meio às massas, sevindo de motor/fermento; por meio da promoção de um programa determinado – que, basicamente defendia posições filosóficas, teóricas e estratégicas – a organização política não deveria se dedicar à participação nas eleições, à tomada do Estado e nem a fazer a revolução em nome das massas. Ela teria por função estimular e dirigir as massas, provocando a revolução em seu seio sem subjugá-las; a função da organização política seria dar protagonismo às massas.
Historicamente, Bakunin foi responsável por impulsionar organizações políticas sendo a mais destacada delas conhecida pelo nome de Aliança da Democracia Socialista (ADS). Trabalhando de maneira pública e secreta, fundamentalmente no seio da AIT, a ADS visava dar a ela “uma organização revolucionária, para a transformar, a ela e a todas as massas populares que estão fora dela, numa força suficientemente organizada para aniquilar a reação político-clérico burguesa, para destruir todas as instituições econômicas, jurídicas, religiosas e políticas dos Estados”. Para isso, seriam fundamentais as organizações políticas, compostas “por membros mais seguros, mais dedicados, mais inteligentes e mais enérgicos” e possuindo um duplo objetivo: “primeiro, a formação da alma inspiradora e vivificante deste grande corpo a que chamamos Associação Internacional dos Trabalhadores” e depois “se ocuparão dos problemas que são impossíveis de se tratar publicamente. Eles formarão a ponte necessária entre a propaganda das teorias socialistas e a prática revolucionária.”
Esse modelo estratégico deveria impulsionar a sociedade para uma transformação social revolucionária que, por meio da violência organizada e protagonizada pelo povo, destruiria os sistemas de dominação e construiria o socialismo. Para Bakunin, esse socialismo só poderia ser construído “de baixo para cima”, ou seja, a partir das necessidades das bases, com a propriedade coletiva e fundamentado no trabalho coletivo. Decisões econômicas e políticas deveriam ser tomadas pelas bases, em um sistema que desse força para a participação política popular e que se articulasse por meio da delegação. Este socialismo federalista, acreditava Bakunin, realizaria a liberdade completamente.
NOTAS:
1. Mikhail Bakunin. Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário, 2000, p. 25. Todos os textos citados são de autoria de Bakunin e por isso suprimirei todas as referências a seu nome nas notas a seguir.
2. “O Império Cnuto-Germânico”. In: Daniel Guérin (org.) Textos Anarquistas. Porto Alegre: LP&M, 2002 p. 47.
3. “A Comuna de Paris e a Noção de Estado”. In: O Princípio do Estado e Outros Ensaios. São Paulo: Hedra, 2008, pp. 115-116.
4. O Sistema Capitalista. São Paulo: Faísca, 2007, p. 4.
5. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo. São Paulo: Cortez, 1988, pp. 15-16.
6. O Sistema Capitalista, p. 4.
7. Estatismo e Anarquia. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2003, p. 212.
8. Ibidem, p. 47.
9. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo, p. 16.
10. “Consideraciones filosóficas sobre el fantasma divino, sobre el mundo real y sobre el hombre”. In: Obras Completas. Madrid, La Piqueta, 1979, p. 198.
11. A Ciência e a Questão Vital da Revolução. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2009, p. 67.
12. A Política da Internacional. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2008, p. 67.
13. “La Organización de la Internacional”. In. Frank Mintz (org.). Bakunin: critica y acción. Buenos Aires: Anarres, 2006, p. 102.
14. A Política da Internacional, p. 46.
15. Ibidem, pp. 53-54.
16. “Necessidade e Papel do Partido”. In: Conceito de Liberdade. Porto: Rés Editorial, 1975, p. 154.
- Fonte: http://www.anarkismo.net/article/17395
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